O dialeto caipira foi possivelmente influenciado pelo tupi antigo, bem como por um de seus desenvolvimentos históricos, a língua geral paulista. Sendo a língua habitual dos bandeirantes que ocuparam as regiões onde hoje se ouve tal variante dialetal, a língua tupi antiga não apresentava alguns sons usuais do português, como os representados pelas letras l e r (de "rato", por exemplo) e pelo dígrafolh. Com efeito, o dialeto caipira se caracteriza pela substituição, em fim de sílaba, do fonema lateral [l] pelo fonema /r/, flap ("almoço" vira armoço, "coronel", coroner), pela substituição do fonema [ʎ] por um i semivocálico, como em "abelha" e "trabalho", que se leem abeia e trabaio, e pela queda da consoante /r/ dos verbos no infinitivo (andá, corrê, dormi). Nos três casos ocorreu a adaptação da fonética portuguesa à tupi. Outro ponto em comum entre a língua tupi e o dialeto caipira é a ausência de diferenciação entre singular e plural: kunhã, em tupi antigo, pode significar tanto "mulher" quanto "mulheres", e o dialeto caipira usa tanto "a casa" quanto "as casa".[8]
Português arcaico
O vocabulário da língua caipira é, naturalmente, bastante restrito. Ele é formado, em parte, de elementos oriundos do português usado pelo primitivo colonizador, muitos dos quais se arcaizaram com a criação de novos acordos ortográficos; de termos provenientes das línguas indígenas; de vocábulos importados de outras línguas, por via indireta e de vocábulos formados na própria cultura caipira. Em verdade, estes não se limitam ao léxico, todo o dialeto está impregnado deles, desde a fonética até a sintaxe. O dialeto representa um estado atrasado do português, e que sobre esse fundo se vieram sucessivamente entretecendo os produtos de uma evolução divergente, o seu acurado exame pode auxiliar a explicação de certos fatos ainda mal elucidados da fonologia, da morfologia e da sintaxe histórica da língua. Por exemplo: a pronunciação clara do sons das letras “e” e “o” átonos finais comprova o fato de que o ensurdecimento de vogais só começou em época relativamente próxima, pois de outro modo não se compreenderia porque o caipira pronuncia lado, verdade, quando no português, falado em Portugal, África e Ásia ou na maioria das regiões do Brasil (exceto no Sul) comumente se pronuncia ladu, verdad- ou verdadi.
Releva notar que o povo caipira desconhece a pronúncia do "si", inventada por gramáticos e popularizada entre a gente culta, no Brasil, por via literária. Em relação a este pronome pessoal, o caipira diz sempre, e bem claramente, "se", literalmente como é escrito, sem fazer uso da iotização, que neste caso é comum em todo o Brasil.[9]
São em grande número, relativamente à extensão do vocabulário dialetal, as formas esquecidas ou desusadas na língua. Lendo-se certos documentos vernáculos dos fins do século XV e de princípios e meados do século XVI, é impossível não dar-se conta que há muita semelhança da respectiva linguagem arcaica portuguesa com a dos caipiras e com a linguagem tradicional dos paulistas, que não é senão o mesmo dialeto um pouco mais polido.
Na carta de Pero Vaz de Caminha abundam formas vocabulares e modismos envelhecidos na língua, mas ainda bem vivos no falar caipira: inorância, -parecer (aparecer) mêa (adj. meia), u’a (uma), trosquia, imos (vamos), despois, reinar (brincar), preposito, luitar, desposto, alevantar.[10]
Características
Fonéticas
Desde a obra de Amaral, a fonética caipira é marcada por cinco principais traços distintivos:[11]
A rotacização do "L": a permutação, em fim de sílaba, da aproximante lateral[l] pelo fonema /r/ (mil > mir, enxoval > enxovar, claro > craro, etc.). Esse traço não é exclusivo do dialeto caipira, mas se faz presente de forma gradual ao longo de todo o país, sendo menos comum na linguagem culta. Trata-se de um fenômeno que já vinha ocorrendo na passagem do latim para o português (ex: clavu > cravo).[15]
A iotização do "LH": [ʎ] (<Falhou> [faˈjo]; <Mulher> [muˈjɛ]; <Alho> [ˈaju]; <Velho> [vɛˈju]; <Olhei> [oˈjej], etc.). Da mesma forma que a rotacização do L, esse traço existe ao longo do país todo, sendo mais uma marca social do que regional.[16]
A apócope da consoante /r/ na terminação dos verbos no infinitivo[17] (<Brincar> [bɾĩˈka]; <Olhar> [oˈja]; <Comer> [koˈme]; <Chorar>: [ʃoˈɾa]; etc.).
A transformação de proparoxítonas em paroxítonas: A apócope ou síncope em palavras proparoxítonas e a aférese em muitas palavras.
Morfossintáticas
Algumas características morfossintáticas difundidas por todo o falar brasileiro são, popularmente, vistas como características do dialeto caipira, como:
a concordância de número marcada apenas no artigo[18] (<as mulheres> [az muˈjɛ], <os homens> [u ˈzomi], <as coisas> [as ˈkojzɐ], <os primos> [us ˈpɾimu] etc.)
a nasalização do /d/ na terminação do gerúndio (nas outras terminações em ←ndo> não sofrem esse fenômeno):[19] (<Falando> [faˈlɐ̃nu]; <Quando> [ˈkwɐ̃du]; <Dormindo> [duɹˈmĩnu]; <Lindo> [ˈlĩdu]; <Correndo> [koˈhẽnu]; <Segundo> [siˈɡũdu]; <Pondo> [ˈpõnu]; <Mundo> [ˈmũdu])
Ter e haver
O verbo ter usa-se impessoalmente em vez de haver, quando o complemento não encerra noção de tempo: Tinha munta gente na eigreja — Tem home que num gosta de caçada — Naquêle barranco tem pedra de fogo. Quando o complemento é tempo, ano, semana, emprega-se às vezes haver, porém, mais geralmente, fazer: Já fáiz mai de ano que eu num vos vejo — Estive na sua casa fáiz quinze dia. Haver é limitado a certas e raras construções: Há que tempo! — Há quanto tempo foi isso? — Num hai quem num saiba. Nessas construções, o verbo como que se anquilosou, perdendo sua vitalidade. Restringimo-nos, entretanto, neste como em outros pontos, a indicar apenas o fato, sem o precisar completamente, por falta de suficientes elementos de observação. Vem a propósito referir que a forma hai, contração e ditongação de há aí (por "há i", que se encontra em muitos documentos antigos da língua portuguesa) só é empregada, que saibamos, nestas condições: — quando precede ao verbo o advérbio não, como no exemplo dado acima; - quando o verbo termina a proposição: É tudo quanto hai — Vô vê se inda hai (Vou ver se ainda há).[20]
O dialeto caipira pode ser dividido em cinco subdialetos:
O primeiro, falado na região sul do estado de São Paulo (regiões do Vale do Ribeira, Sorocaba, Itapetininga e Itapeva) e Norte do estado do Paraná, caracteriza-se pela marcação do "e" gráfico sempre pronunciado como fônico. Assim, palavras como "quente" e "dente" possuem o "e" átono pronunciado como /e/ e não como /i/, comum no português padrão do Brasil. Essa é também uma característica do português falado na região de Santa Catarina, Paraná e no Rio Grande do Sul.[21]
O quinto grupo corresponde ao Triângulo Mineiro e a parte sul e sudeste do estado de Goiás. Compreende um subfalar com pronúncia tais como o grupo três e com ritmo típico do dialeto mineiro, com elevação do tom nas sílabas tônicas, e erres retroflexos só em coda de sílaba, tais como em "porta", "certo", "aberto" além da palatização dos grupos "di" e "ti" fônicos. O Sul de Minas Gerais e parte da Região Sul do estado do Rio de Janeiro possuem esta mesma variação de sotaque caipira.[2]
↑Ferreira, Jesuelem Salvani; Tenani, Luciani (2009). «A redução do gerúndio à luz da fonologia Lexical»(PDF). Estudos Linguísticos. 38 (1): 63-64A referência emprega parâmetros obsoletos |coautores= (ajuda)(pag. 5 e 6 do pdf em anexo).